Uma carta de Deus em meio à polarização

“Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada […]” (Jo 19:10-11)
Polarização é, talvez, a palavra mais repetida nos noticiários. Este fenômeno social tem sido descrito como a divisão de uma sociedade em dois polos a respeito de um determinado tema, o aumento da divergência entre atitudes políticas de extremos ideológicos, a concentração em extremos opostos. A polarização política que vivemos é tão grande que já está sendo apontada como perigo à democracia. O episódio conhecido como “a grande invasão ao Capitólio”, ocorrido na democracia mais consagrada do mundo é um bom exemplo disto. Porém, não precisamos de ir tão longe para ver os resultados danosos da polarização. Eles já podem ser sentidos nitidamente em nossos bairros, ruas, grupos de WhatsApp, e pior de tudo: dentro de nossas igrejas e família. O verdadeiro discípulo de Cristo se perguntará: qual é o nosso papel diante desta polarização? Como devemos nos portar perante tanto ódio a quem pensa diferente? Caso o político que não votamos ou até aqueles que condenamos ganhe, o que fazer? Devemos ter medo dos novos governos que vêm por aí? Para toda e qualquer pergunta, só há um lugar confiável para encontrar respostas verdadeiras: O “assim diz o Senhor”. Ao abrir a Palavra de Deus agora, você descobrirá que Ele enviou uma carta para um povo igualmente polarizado e é nela que mergulharemos – Jeremias capítulo 29.
O contexto histórico deste capítulo é muito parecido com o nosso. Após a invasão de Babilônia a Jerusalém o povo ficou polarizado em dois extremos. Um grupo optaria pelo ódio mortal à Babilônia e buscaria pelo uso da força e armas destruir seus inimigos. O outro decidiria se acomodar, se igualando aos babilônicos, absorvendo suas crenças e costumes até se tornarem um deles. No meio dessa confusão, Jeová não deixaria seu remanescente fiel sem instrução. Jeremias 29, é literalmente uma carta de Deus (Jr 29:1) àqueles que querem seguir suas instruções mesmo em meio à polarização. Essa carta ultrapassou 2.500 anos e chegou até nós, hoje, mais atual que nunca. Extrairemos dela quatro lições. (Leia Jr 29:1-14).
Primeira lição: lembrar de quem os deportou para Babilônia (Jr 29:4). O verbo “deportar” na primeira pessoa do singular deixa para longe de dúvidas que fora Deus mesmo quem os exilou.Daniel, contemporâneo de Jeremias, declarou de forma poética: “Seja bendito o nome de Deus, de eternidade a eternidade, porque Dele é a sabedoria e o poder; é Ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis […]” (Dn 2:20-21). Contextualizando para os nossos dias, a palavra “rei” pode ser trocada por “presidente” sem nenhuma violação hermenêutica. Deus é soberano e ponto final. Esse atributo divino deve calar todas nossas ansiedades quanto a quem está ou deixou de estar no poder.
A pergunta que surge é: “E quando o político é corrupto? ”. Deixemos Jesus responder. Mesmo Pilatos sendo terrivelmente corrupto, em Seu julgamento, Cristo lhe afirmou: “Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada […]” (Jo 19:10-11). Isso mesmo, o nosso Mestre reconheceu que sua autoridade não era advinda apenas dos homens, mas também de Deus e se este não tivesse chancelado, ele jamais estaria lá. Deus é soberano. Por isso Paulo nos admoesta a estar “sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus” e ainda diz que “aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus”, trazendo “sobre si mesma condenação” (Rm 13:1,2). Quando apóstolo escreveu estas palavras era Nero o imperador romano. O mesmo que ordenou matar a própria mãe, suas duas esposas, e segundo algumas versões, incendiou Roma. Alguns poderiam olhar pra Paulo e pensar que ele estava com alguma brincadeira de mal gosto. “Não há autoridade que não proceda de Deus? Devo respeitar esse “demônio em forma de gente, Paulo? ”. Então ele apontaria para sua própria vida, dando o exemplo ao dispor calmamente o pescoço para seu algoz executar a sentença de morte dada por aquele imperador. Paulo não pegou em armas, não proferiu discurso de ódio, mas aceitou a soberania de Deus.
Segunda lição: buscar a prosperidade da cidade onde você está (Jr 29:7). Buscar a prosperidade da Babilônia de Nabucodonosor, o rei que teve a “brilhante” ideia de matar todos os filhos do rei de Judá na sua frente e depois vazar seus olhos (Jr 39:4-8)? Você não entendeu errado, é isso mesmo. Se isto te escandalizou ou achou difícil de engolir essa ordem, você tem sorte de não ser um judeu ouvindo o sermão da Montanha. Nada seria pior para um judeu do que o pedir para andar duas milhas quando o obrigarem a andar uma. Existia uma lei romana que obrigava a qualquer estrangeiro carregar por uma milha os equipamentos de um de seus soldados (os mesmos que matavam, espancavam, estupravam e crucificavam os judeus), quando estes pediam. Jesus pediu para andar o dobro, por quê? Ele sabia que seu reino é espiritual e como tal, deve ser implantando de forma espiritual, através do amor. “Não por força nem por violência, mas sim pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6). Deus nunca te pede para fazer algo que Ele já não fez. Foi andando a segunda milha e dando seu sangue em favor de seus inimigos que Ele subverteu a história humana e se tornou o personagem principal que já pisou nessa terra.
Neste momento, abro um parêntesis para falar diretamente com quem é pai. Sabe qual é a melhor forma de defender seus filhos da ideologia de gênero? Definitivamente, não é passando tempo criticando e empregando palavras de ódio contra quem crê nesse tipo de filosofia demoníaca. É passar mais tempo ensinando a Palavra de Deus para sua família! Seja mais PRESENTE do que COMBATENTE. Ame e trate sua esposa com dignidade, respeito e muito amor. Diga mais palavras que produzam vida do que as que envenenam a alma. É isso que blindará nossas famílias contra o mal: viver Cristo no lar! Desta forma, não tem ideologia de gênero ou portas do inferno que prevalecerão contra sua família.
Terceira lição: viver uma vida comum de ser humano (Jr 29:5,6). As ordens destes versos são similares às dadas no Éden. A conclusão é simples: eles buscariam a paz de Babilônia obedecendo as mesmas primeiras ordens do Deus Criador. No Éden ou em Babilônia a ordem continua a mesma, porque o mesmo Governante do Éden continuava no poder em Babilônia. Para nós essa verdade continua de pé. Através de uma vida ordinária (vivendo, habitando, multiplicando, comendo, plantando), porém, obedecendo os mandamentos do Senhor, produziremos o extraordinário. Para os judeus, o multiplicar mencionado na carta é reprodução biológica, para a igreja é mais que isso: é fazer discípulos (Mt 28:18). Quer subverter o sistema? Deixe de utilizar o método diabólico da força e ódio e passe a utilizar o método de Cristo: faça discípulos. A história prova que este último método é milhões de vezes mais eficaz, afinal, com apenas doze pessoas ao seu lado, Jesus mudou o enredo humano.
Pedro, em sua primeira carta (2:11-17) traz mais luz sobre esse assunto. Primeiro, ele nos revela que é justamente no viver uma vida comum obedecendo aos mandamentos de Deus que os outros veem as nossas boas obras e reconhecem o Deus verdadeiro. Em outras palavras, é assim que a luz brilha e o sal dá gosto. Segundo, ele não diz: “Honrai apenas o Rei [presidente] que apoia os valores cristãos”. Seu imperativo é generalista, inclui todas as autoridades. O exemplo de Daniel cabe perfeitamente aqui. Viveu uma vida ordinária no palácio do rei, porém obedeceu a Jeová (e detalhe: mesmo em face a morte). O resultado foi: ficou mais bonito e inteligente que todos os outros, foi usado por Deus para interpretar mistérios e sonhos de Nabucodonosor e o mais magnífico de tudo, levou este à conversão. O maior monarca da terra na época se converteu a Deus, porque um simples escravo escolheu obedecer aos ditames de Deus, citado na carta de Jeremias. Agora, imagine se Daniel tivesse guardado rancor de Nabucodonosor por este ter assassinado todos os príncipes de sua cidade e vazado os olhos de seu rei e decidisse esconder um cutelo debaixo da manga de sua vestimenta para, no momento oportuno, matar o rei babilônico. Os dois morreriam sem salvação. E se ele escolhesse ser um comodista? O sal perderia o sabor, a luz não brilharia e os dois também morreriam eternamente. Porém, porque ele optou por amar e honrar um rei terrivelmente maligno, encontraremos os dois nas mansões celestiais.
Honrar é concordar com tudo? Jamais. Em duas situações Pedro manifestou discordância. No primeiro, relatado em João 18, ele discorda, arranca uma espada e, mirando na cabeça, consegue acertar apenas a orelha de um soldado romano por nome Malco. No segundo momento, em Atos 5, quando os maiores líderes judeus da sua época ordenam que ele parasse de pregar o Evangelho, ele responde? “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens. ” (v. 29), e logo após, quando a sentença de açoitamento contra ele é dada, Pedro se retira do Sinédrio regozijando-se por ter sido considerado digno de sofrer afronta pelo nome de Jesus (v. 40,41). Com qual Pedro você tem se parecido mais, com o velho ou o regenerado? “Eu nunca ergui uma espada e cortei a orelha de ninguém”. Entretanto, para o sábio: “Há alguns que falam como que espada penetrante” (Pv 12:18, cf. Sl 52:2). Você pode até não erguer a espada literal de ferro para atacar as autoridades que Deus constituiu, mas talvez esteja erguendo uma espada ainda mais terrível e perniciosa: a língua ou, agora na era digital o dedo, postando, falando, criticando, zombando nas redes sociais. O mandamento bíblico de 1Tm 2:1-3 é claro: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças […] em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador”. O problema é que muitas vezes passamos um minuto ou nada orando por nossos governantes e duas horas postando ódio contra eles nas redes sociais.
Quarta ordem: lembrar que estamos em Babilônia, mas temos pátria própria e Deus nos levará para lá (Jr 29:10-14). Como mais bendita de todas as lições vistas aqui, a cereja do bolo ficou para o final. Ela sustenta todas as lições anteriores com esperança. Nela é como se Deus dissesse: “Morem em Babilônia, vivam normalmente em Babilônia, busquem a paz de Babilônia, honrem o Rei de Babilônia, porém nunca se esqueçam: vocês não são de Babilônia. Vocês têm pátria própria. Sim, eu os enviei para aí, mas eu mesmo também os trarei de volta. ”
Obedeçamos ao que nosso Deus disse nesta carta que Ele enviou para nós e aguardemos na esperança de que falta pouco para nos encontrarmos com nosso verdadeiro e perfeito Governante – Jesus Cristo.
Davi Dempsey Ferreira Reis, Bacharel em Direito e Ancião na Igreja Adventista do Sétimo Dia.