Haverá salvação no período da tribulação?

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              O uso de diferentes métodos de interpretação bíblica provocou variadas posições escatológicas entre os estudiosos da doutrina das “últimas coisas”. Assim, o estudo da Escatologia encontra-se vinculado ao método empregado na interpretação das Escrituras proféticas.

A diferença básica entre as escolas pré-milenarista e amilenarista e os que defendem o arrebatamento pré-tribulacionista e o pós-tribulacionista, encontra-se na “questão da interpretação literal versus a figurada”.

Portanto, neste ensaio reconhecemos o uso das figuras de linguagem na Bíblia, mas negamos a obrigatoriedade da interpretação ser alegórica. Em outras palavras, a linguagem figurada deve ser interpretada de maneira a não destruir a verdade literal pretendida com o emprego das figuras (PENTECOST, 1998, p. 29).

Desse modo a resposta para a pergunta “haverá salvação no período da tribulação?” depende da interpretação adotada para os eventos futuros revelados na Bíblia Sagrada e em especial no livro de Apocalipse. Assim para elucidar esta questão, apresento abaixo a interpretação escatológica das Assembleias de Deus sob três aspectos: o milênio, o arrebatamento e a grande tribulação:

1. As concepções sobre o Milênio.

O retorno de Cristo está sobejamente registrado nas Escrituras. No entanto, os intérpretes discordam entre si acerca das doutrinas do “quiliasmo” – uma expressão grega que designa “mil” e que se refere ao Milênio. A discussão gira em torno do tempo da vinda de Cristo para instalar o reino milenar. Atualmente existem quatro escolas diferentes para abordagem da segunda vinda de Cristo em relação ao milênio.

1.1. Posição não-literal. Esta escola nega que haverá um retorno literal. Para eles, Cristo não retornará corporalmente ou visível. Ensinam que o segundo advento aconteceu com a destruição de Jerusalém, ou no dia do Pentecostes, ou ainda, na morte ou conversão do crente.

1.2. Posição Pós-milenarista. Para esta escola, o retorno de Cristo será literal, mas acontecerá somente após o milênio na terra. Seus adeptos ensinam que o mundo todo será alcançado e se converterá pela pregação do Evangelho antes da segunda vinda de Cristo a terra.

1.3. Posição amilenarista. Esta escola nega que haverá um reino milenar literal na terra. Para eles, Satanás já foi aprisionado na primeira vez que Cristo veio. Ensinam que na presente era, entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, as profecias acerca do milênio já estão espiritualmente sendo cumpridas.

1.4. Posição Pré-milenarista. Para esta escola, o retorno de Cristo será literal e corporalmente, e, acontecerá antes do início do milênio na terra. Os que professam esta posição acreditam que após o retorno de Cristo, será instituído a era milenar e Cristo literalmente reinará na terra por mil anos.

            O posicionamento da teologia pentecostal adotada pelas Assembleias de Deus no Brasil segue o método de interpretação literal conforme a fé praticada na Igreja primitiva. Nossa Declaração de Fé ratifica a posição pré-milenarista:

O Milênio é o Reino de Cristo com duração de mil anos que terá início por ocasião da vinda de Cristo em glória com os seus santos. Todos os que estiverem vivos na terra após esses acontecimentos serão submetidos ao governo de Jesus Cristo. Nesse período, Satanás estará aprisionado no abismo. Isso significa que a sua ação destruidora na terra será neutralizada e, assim, será iniciada uma nova ordem. (SOARES, 2017, p. 189).

2. As doutrinas do Arrebatamento.

A dispensação da graça termina com o rapto da Igreja. A doutrina da translação da Igreja está presente em diversos textos do Novo Testamento (Jo 14.1-3; 2Ts 2.1; 1Ts 4.13-18; 1Co 1.8; 15.51-52; 2Co5.1-9; Fp 3.20-21).

A questão da ocasião do arrebatamento é discutida a partir do método interpretativo adotado. Os Pós-milenaristas e amilenaristas veem o arrebatamento da igreja no final desta era e simultâneo com a segunda vinda de Cristo. Os pré-milenaristas, também são pré-tribulacionistas, isto é, acreditam que o retorno de Cristo se dará em antes da tribulação e em duas fases, sendo este, o posicionamento das Assembleias de Deus no Brasil:

CREMOS, professamos e ensinamos que a Segunda Vinda de Cristo é um evento a ser realizado em duas fases. A primeira é o arrebatamento da Igreja antes da Grande Tribulação […] a segunda fase é a sua vinda em glória depois da Grande Tribulação e visível aos olhos humanos” (SOARES, 2017, p. 185).

 Os intérpretes da escola pré-milenarista dividem-se em parcialistas, pós-tribulacionistas, mesotribulacionistas e pré-tribulacionistas.

 2.1. Arrebatamento parcial. Essa teoria não se relaciona com o período da tribulação. Ela diz respeito aos indivíduos que participarão ou não participarão do arrebatamento. Essa doutrina ensina que apenas uma parte da Igreja irá ser arrebatada. A outra parte terá de passar pela tribulação, a fim de serem provados e purificados por meio de grandes sofrimentos. Almeida (1999, p. 139) considera que tal teoria “parece ter sido influenciada pela doutrina católica do purgatório, segundo a qual o sofrimento pode purgar pecados”. O parcialista coloca parte da Igreja na tribulação e esquece que o período tribulacional é para o julgamento do mundo e não da Igreja de Cristo.

Quanto a esta questão Horton (1996, p. 632-634) escreve: “Paulo deixa claro que todos os mortos em Cristo e todos os crentes que permanecerem são levados “juntos” num só corpo no arrebatamento (1Ts 4.16,17)”. E ainda salienta que “a única exigência tanto para os mortos e, obviamente para os crentes que estiverem vivos, é que estejam ‘em Cristo”, ou seja: num relacionamento de fé e de fidelidade nEle”. Assim, não é possível prever o arrebatamento. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus ratifica esta verdade ao afirmar que: “esse evento não pode ser visualizado antecipadamente nem datado por esses ou por nenhum outro sinal” e acrescenta: “A condição para fazer parte desse glorioso evento é estar em Cristo” (SOARES, 2017, p. 186).

 2.2. Arrebatamento pós-tribulacional. Os adeptos desta escola ensinam que o arrebatamento acontecerá ao final da Tribulação. Que o arrebatamento é distinto da segunda vinda, embora seja separado dela por um pequeno intervalo de tempo. Que a igreja permanecerá na terra durante todo o período da tribulação. Para comprovar suas doutrinas argumentam, entre outras teorias, que o arrebatamento e a segunda vinda são descritos pelas mesmas palavras e que a preservação da ira futura (1Ts 5.9) significa proteção sobrenatural para os crentes durante a tribulação e não libertação por ausência (assim como Israel permaneceu no Egito durante as pragas, mas protegido de seus efeitos). Para manterem esta posição, os pós-tribulacionistas precisam negar o retorno de Cristo em duas fases, negar qualquer cumprimento futuro da 70ª semana de Daniel e aplicar para a Igreja os planos divinos prescritos em relação à nação de Israel. 

2.3. Arrebatamento mesotribulacional. Essa teoria também é conhecida como midi-tribulacionista. Acreditam que o arrebatamento ocorrerá depois de transcorridos três anos e meio do período da tribulação. Ensinam que “a primeira parte da Grande Tribulação será pacífica, enquanto o Anticristo estiver estabelecendo o seu domínio […] que o arrebatamento acontecerá quando for soada a sétima trombeta do Apocalipse (Ap 11.15)… e consideram que os últimos três anos e meio do governo do Anticristo serão o período da ira” (Horton, 1999, p. 634). Quanto ao debate em que os mesotribulacionistas equiparam a última trombeta de 1Co 15.52 (que trata do arrebatamento) com a sétima trombeta de Apocalipse 11.15 (que soa na metade da tribulação) o Manual de Escatologia é categórico ao afirmar que a expressão “última” significa o fim de um tempo ou de uma era e não a última de uma sequência de trombetas (Pentecost, 1998, p. 213).

2.4. Arrebatamento pré-tribulacional. O arrebatamento da Igreja (a vinda do Senhor nos ares para os seus santos) ocorrerá antes que comece o período de sete anos da tribulação, ou seja, “a Igreja, o corpo de Cristo, em seu todo, será, por meio da ressurreição ou por transferência, retirada da terra antes de começar qualquer parte do cumprimento da 70ª semana de Daniel”. (Pentecost, 1998, p. 217). Vários argumentos podem ser apresentados em apoio desta posição. Tais considerações surgem do método literal de interpretação das Escrituras proféticas. Vejamos alguns destes argumentos:

a) A promessa que a igreja será guardada (fora) da hora da provação. (Ap 3.10);

b) A remoção do aspecto de habitação no ministério do Espírito Santo exige necessariamente a remoção dos crentes. (2Ts 2.6-10);

c) A tribulação é um período de derramamento da ira de Deus, da qual a Igreja está isenta. (Ap 6.17, cf. 1Ts 1.10; 5.9);

d) O arrebatamento só pode ser iminente se for pré-tribulacional. (1Ts 5.6);

e) Deus somente enviou o dilúvio após Noé e toda a sua família entrarem na arca (Gn 7), e destruiu Sodoma e Gomorra após a saída de Ló e sua família (Gn 19).

            O posicionamento adotado pelas Assembleias de Deus no Brasil, em relação ao arrebatamento é pré-tribulacional. Nossa Declaração de Fé afirma que assim cremos:

Na segunda vinda de Cristo, em duas fases distintas: a primeira — invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja antes da Grande Tribulação; a segunda — visível e corporal, com a sua Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts 4.16, 17; 1 Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 1.14). (SOARES, 2017, p. 23)

O leitor deve ter consciência que neste ensaio não foram apresentados todos os argumentos da doutrina do arrebatamento pré-tribulacional, mas os que aqui foram mencionados são evidências cumulativas de que a Igreja de Cristo será raptada da terra antes da tribulação que virá sobre os infiéis.

3. A grande tribulação

            A tribulação ocorre após o arrebatamento da Igreja de Cristo. A primeira alusão a esse terrível tempo de juízo divino está em Deuteronômio 4.30 “Quando estiveres em angústia, e todas estas coisas te alcançarem, então, no fim de dias, te virarás para o Senhor, teu Deus, e ouvirás a sua voz”.Em Apocalipse 2.22 a expressão grande tribulação é empregada com o sentido de punição, também é usada como a “hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo” (Ap. 3.10) e ainda como “tempo de angústia” (Dn 12.1) e “dia da vingança do nosso Deus” (Is 61.2).

Esse período é identificado como o cumprimento da 70ª semana de Daniel e, portanto, durará um total de sete anos (Dn 9.24-27). O Anticristo firmará um concerto com muitos por uma semana de anos e dará início a uma aparente paz, mas na metade desta semana ele romperá o pacto e será inaugurada a “grande tribulação”. A metade desse período é apresentada pelas expressões “42 meses” e “1.260 dias” (Ap 11.2,3) o equivalente a três anos e meio e será permeado de grandes flagelos e tragédias nunca antes vividas pelo ser humano. A tribulação terminará com a reunião das nações para a batalha de Armagedom e com o retorno de Cristo a terra (Ap 19).

E haverá oportunidade de salvação neste período? Uma vez que a Igreja não estará na terra por já ter sido arrebatada aos céus? Nesta perspectiva escatológica pré-milenarista e pré-tribulacionista as Assembleias de Deus ensinam claramente a possibilidade de salvação neste período da grande tribulação. A obra teologia sistemática pentecostal, editada pela CPAD, nos oferece a seguinte resposta:

Nesse período, Deus dará mais uma oportunidade de salvação a todos aqueles que não foram arrebatados. Tudo será muito difícil, pois os poderes do mal-estar ou multiplicados e atuando numa escala nunca vista, mas a salvação será possível (Ap 6.9 a 11; 7.9-17; 12.12-17; 14.-5; 20.4). Não só os desviados poderão se reconciliar com Cristo; todos os seres humanos terão oportunidade salvação, desde que invoquem nome do Senhor (Joel 2.32). O texto de Apocalipse 7.14 menciona uma multidão de salvos durante esse período, os quais lavaram suas vestiduras, branqueando-as no sangue do Cordeiro. Mas será difícil a salvação nos angustiosos e inquietantes dias da grande tribulação (GILBERTO, 2013, p. 515).

Estes que são mortos por causa da fé em Cristo e são salvos durante a grande tribulaçãotambém fazem parte do evento da primeira ressurreição, vejamos:

A primeira ressurreição, que é a ressurreição da vida João 5.29 abrange os seguintes grupos: 1) Cristo, as primícias dos que dormem (1Co 15 20). 2) Os Santos que sairam do sepulcros depois da ressurreição de Cristo (Mt 27 52 53). 3) Os que são de Cristo por ocasião do arrebatamento (1Co 15.23); 1 Ts 4.16). 4) As duas testemunhas, durante a grande tribulação (Ap 11.11) e, 5. Os mártires da grande tribulação, que ressuscitarão antes do milênio (Ap 20.4-6). Esse texto diz: “Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição” (GILBERTO, 2013, p. 503).

Aqui é preciso entender que a expressão “primeira ressurreição” significa que se trata de um evento de ressurreição somente dos salvos, e que não acontece emuma única vez e nem simultaneamente, mas que ocorre em várias etapas sempre em alusão aos crentes da “primeira ressurreição”. E todo aquele que não fizer parte deste evento da “primeira ressurreição” vai ressurgir após o milênio e antes do juízo final (Ap 20.5). Portanto os da “segunda ressurreição” serão submetidos ao Juízo do Trono Branco que destinará os infiéis a condenação eterna (Ap 20.13). Quanto a este entendimento, assim corrobora a nossa Declaração de Fé:

A Bíblia fala sobre duas ressurreições, a dos justos e a dos injustos, mas ambas não serão simultâneas (Dn 12.2, Jo 5.29, At 24,15). Deus instaurará esse juízo após a última rebelião de Satanás, que acontecerá após os mil anos do Reinado de Cristo (Ap 20.10). Ficarão de fora desse juízo os crentes provenientes da era da Igreja e os mártires da Grande Tribulação, pois eles serão parte do Reino de Cristo e estarão com o corpo glorificado (SOARES, 2017, p. 195).

Considerações Finais

Após o arrebatamento da Igreja e o cumprimento de todos os demais eventos escatológicos, o pecado terá terminado o seu curso. Os salvos integrantes da Antiga Aliança, da Era da Igreja e os Mártires da Grande Tribulação, bem como os salvos no milênio já estarão glorificados. Os perdidos, julgados e condenados. Então Deus será tudo em todos (1Co 15.28) e para sempre continuará o eterno e perfeito estado. Maranata! Ora vem, Senhor Jesus!

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Isael. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

ALMEIDA, Abraão de. Manual da Profecia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

BAPTISTA, Douglas Roberto de A. História das assembleias de Deus: o grande movimento pentecostal do Brasil. Curitiba: Intersaberes, 2017.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

GILBERTO, Antônio. O calendário da Profecia. Rio de Janeiro: CPAD, 1985.

__________, Antônio. Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013.

HORTON, S. M. (Ed.). Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.

JONES, Timothy P. Guia Profético para o fim dos tempos. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.

PENTECOST, J. Dwight. Manual de Escatologia. Uma análise detalhada dos eventos futuros. São Paulo: Vida Nova, 1998.

RENOVATO, Elinaldo. O Final de todas as coisas: esperança e glória para os salvos: Rio de Janeiro: CPAD, 2015.

SILVA, Severino Pedro da.Escatologia: Doutrina das Últimas Coisas. Rio de Janeiro: CPAD, 1988.

SOARES, Esequias (Org). Declaração de Fé das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

Qua, 13/05/2020 por Pr. Douglas Baptista

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